quarta-feira, 15 de agosto de 2018

PRETO, BRANCO & HACHURAS


PRETO E BRANCO - a máxima dualidade dos opostos: a luz e as trevas, 
o dia e a noite, a vida e a morte.  (Primeira parte)

É com muito prazer que apresento esta postagem contendo uma seleção de livros que ilustrei em bico de pena. Pena que, em grande parte, eu mesmo construo. Acredito que esta seja uma das técnicas mais nobres da arte de ilustrar. É a que apresenta a maior dificuldade, um meio plástico que, por exemplo, não permite o arrependimento, ou seja, o pentimento. É, no entanto, a que oferece ao artista a maior ancestralidade - sua história se identifica diretamente com a arte da linha e do desenho, que se perde na noite do tempo.  (continua ao longo desta postagem)

A FORMOSA PRINCESA MAGALONA - Rui de Oliveira - Adler Books - 2009.

A FORMOSA PRINCESA MAGALONA - Rui de Oliveira - Adler Books - 2009.

COCORI - Joaquim Gutierrez - Editora Agir - 1986.

COCORI - Joaquim Gutierrez - Editora Agir - 1986.

COCORI - Joaquim Gutierrez - Editora Agir - 1986.

DIDO, A rainha de Cártago - Christopher Marlowe - Adap. Luiz Antônio Aguiar. - Ed. Difel - 2009.

DIDO, A rainha de Cártago - Christopher Marlowe - Adap. Luiz Antônio Aguiar. - Ed. Difel - 2009.


A VIAGEM DA SEREIA - Vera Pacheco Jordão - Ed. Salamandra - Primeira versão - 1981.


A VIAGEM DA SEREIA - Vera Pacheco Jordão - Ed. Salamandra - Primeira versão - 1981.


UMA ILHA LÁ LONGE - Cora Rónai - Ed. Record - primeira edição - 1987.

UMA ILHA LÁ LONGE - Cora Rónai - Ed. Record - primeira edição - 1987.

UMA ILHA LÁ LONGE - Cora Rónai - Ed. Record - primeira edição - 1987.

Portanto, ela se aproxima das tradicionais técnicas de estampar gravuras, como a xilogravura, amplamente utilizada na Idade Média como meio de impressão. Em suma, o bico de pena se identifica com os diversos gêneros de corte e incisão, como a xilogravura, a ponta seca e o buril, no caso da gravura em metal. (continua)


O HOMEM QUE BOTOU OVO - Maria Lúcia Amaral - Ed. Rocco - 1986.

O HOMEM QUE BOTOU OVO - Maria Lúcia Amaral - Ed. Rocco - 1986.

OS POVOS DA FLORESTA - Márcia Peltier - Ed. Nova Fronteira - 1991. 

OS POVOS DA FLORESTA - Márcia Peltier - Ed. Nova Fronteira - 1991.

OS POVOS DA FLORESTA - Márcia Peltier - Ed. Nova Fronteira - 1991.

AS AVENTURAS DE HUCKLEBERRY FINN - Mark Twain - Ed. Ática - 1996.

AS AVENTURAS DE HUCKLEBERRY FINN - Mark Twain - Ed. Ática - 1996.

AS AVENTURAS DE HUCKLEBERRY FINN - Mark Twain - Ed. Ática - 1996.

A VIAGEM  PROIBIDA - As Aventuras de Gavião Vaqueiro - Assis Brasil - Ed. Melhoramentos - 1982.

UM PREÇO PELA VIDA - As Aventuras de Gavião Vaqueiro - Assis Brasil - Ed. Melhoramentos - 1980.

MARATONA - José Américo de Moura - Ed. Atual - 1986.

MARATONA - José Américo de Moura - Ed. Atual - 1986.

Não foi por mero capricho que o grande ilustrador americano Howard Pyle, conhecido como o pai da ilustração americana, no princípio do século passado, diante de sua insatisfação como vinha sendo reproduzido em cores o seu trabalho, retornou ao bico de pena e às suas origens nos xilos, sobretudo na obra de Albrecht Durer, muito admirado pelo mestre. (continua)

MARATONA - José Américo de Moura - Ed. Atual - 1986.

O JARDIM DOS CAVALOS MARINHOS - Mustafá Yazbek - Ed. Atual - 1986.

O JARDIM DOS CAVALOS MARINHOS - Mustafá Yazbek - Ed. Atual - 1986.

A TAREFA - Maria Lúcia Martins - Ediouro - 1997.

A TAREFA - Maria Lúcia Martins - Ediouro - 1997.

A VIAGEM DA SEREIA - Vera Pacheco Jordão - Ed. Salamandra - 1981.

A VIAGEM DA SEREIA - Vera Pacheco Jordão - Ed. Salamandra - 1981.

CONTOS AO REDOR DA FOGUEIRA - Rogério Andrade Barbosa - Ed. Agir - 1991. 

CONTOS AO REDOR DA FOGUEIRA - Rogério Andrade Barbosa - Ed. Agir - 1991.

Este é outro aspecto interessante do gênero: apesar das modernas técnicas de captura da imagem em cores, o bico de pena continua sendo a mais fiel meio de reprodução da obra de um ilustrador.  Havendo um papel de boa qualidade e uma mediana reprodução, nós poderíamos assinar os múltiplos e os mesmos serem considerados originais. 

Na ilustração americana, nos anos 80, houve uma grande revivescência do bico de pena.  Não apenas por sua independência expressiva e fidelidade ao original, mas principalmente pela sua excelência artística e estética. Este será o tema da próxima postagem. (continua)
O MENINO E O TREM - Fernando Lobo - Ed. José Olympio - 1978.

O MENINO E O TREM - Fernando Lobo - Ed. José Olympio - 1978.

O MENINO E O TREM - Fernando Lobo - Ed. José Olympio - 1978.

A MÃO TATUADA - Giselda Laporta  Nicolelis -  Ed. Atual - 1986.

A MÃO TATUADA - Giselda Laporta  Nicolelis -  Ed. Atual - 1986.

MANU, A Menina que Sabia Ouvir - Michael Ende - Ed. Salamandra - 1978.

MANU, A Menina que Sabia Ouvir - Michael Ende - Ed. Salamandra - 1978.

MANU, A Menina que Sabia Ouvir - Michael Ende - Ed. Salamandra - 1978.


Gosto profundamente desta técnica, e é com muita alegria que ofereço ao grande público alguns exemplos de livros que ilustrei nesse universo de expressão. Num sentido bem amplo do preto e branco, o mais profundo e simbólico dos contrastes, em muitos livros aqui apresentados utilizei colagens, frotagens e monotipias.  Espero que gostem. Um afetuoso abraço. 

Rui de Oliveira – Agosto de 2018.

domingo, 10 de abril de 2016

ESTUDOS DE CABEÇA - ANATOMIA



ANATOMIA DA EXPRESSÃO E IMAGEM NARRATIVA.


É com muito prazer que apresento, pela primeira vez, um gênero de estudo da forma que venho desenvolvendo há muitos anos. Voltando no tempo, quando eu tinha 14 anos, meu amado e sempre lembrado irmão Denoy de Oliveira, à época aluno da Faculdade de Arquitetura da UFRJ, ou Universidade do Brasil como era chamada, me trouxe para estudar um livro de anatomia artística, certamente da biblioteca da escola.








Lembro-me perfeitamente do livro, capa dura e grossa lombada, e das descobertas que o estudo da anatomia me trouxe, por exemplo, no desenho da cabeça. A correta colocação dos olhos, da orelha, do nariz e, principalmente, a experiência do cânone. Foi na época uma vivência, e uma transformação profunda em meus primeiros desenhos de adolescente.

Saber que existe — e isso muito me encantou — uma coerência lógica na construção do corpo: uma estrutura concreta que possibilitava expressar momentos de abstração. Ter consciência, por exemplo, que o sorriso infindo, não sabemos quando começa tampouco quando termina, que Leonardo da Vinci utilizava, era obtido por um profundo conhecimento da ossatura e dos músculos submersos na face. Os movimentos da coluna vertebral com a cabeça, as proporções, tudo assemelha-se às ligaduras usadas pelos músicos, que são verdadeiros elos unindo seguidamente as partes do corpo.  







 


Resumindo, o estudo da anatomia da cabeça — estou apenas me referindo à cabeça nesta postagem — me possibilitava não apenas desenhar corretamente a estrutura dos olhos, mas representar e expressar a abstração do olhar. Este sim, um nível muito superior.

Isto, confesso, tornou-se uma obsessão pra mim, presente em todos os meus trabalhos até os nossos dias, inclusive nos diversos meios plásticos que utilizei em minha carreira, tais como o cinema, a tv, animação, cartazes, capas de livros, ilustração etc.








Diante destas experiências, acredito que o espiritual é obtido por meio e através do domínio e estudo da matéria. O que estou querendo dizer é que a forma e a estrutura não caminham dissociadas dos significados e simbolismos de nossas imagens.  Muito pelo contrário. É sempre bom dizer para os jovens principalmente que o conhecimento do corpo por meio da anatomia deve sempre passar pela personalidade de cada um. 

Ela é, acima de tudo, um estudo pessoal, um modo próprio de ler as regras e proporções do corpo. Michelangelo tem uma visão do corpo completamente diferente de Rafael, e ambos estão corretíssimos. Dois grandes mestres do ensino da anatomia para artistas, o alemão Gottfried Bammes e o húngaro Jeno Barcsay, têm leituras diversas do corpo.









A abstração das pinceladas de Paul Cézanne parece independer do Monte Vitória, mas, na verdade, elas só vieram à luz a partir de sua presença. Portanto, é um conceito provido de uma origem. A representação unicamente do conceito, sem referencial algum que não seja ele próprio, levou a arte de nossos dias a este insolúvel nó górdio, mas isto está fora do escopo deste texto. O rosto na imagem narrativa — quer seja no cinema, pintura ou ilustração — é uma legenda.  Ele é um relato, uma hagiografia laica. A face é um elo fundamental na imagem que conta histórias.









Acho muito difícil pensar em arte visual sem o concurso da representação. Apesar de sabermos, pela vivência histórica da arte, que a destreza, a habilidade para desenhar não é critério de valor estético em si. Tampouco o abandono total, ou natural imperícia para representação. Todavia, temos que refletir sobre alguns fatos.







 
Na trajetória artística do pintor abstrato Manabu Mabe, por exemplo, a representação, tanto em formas de figuração quanto em paisagens, é bem curta, e tecnicamente muito simplória.  A abstração em sua obra não chega a ser o resultado de uma evolução — ela foi uma opção. Este mesmo fenômeno ocorre com a Tomie Ohtake. Portanto, nós não podemos deificar o desenho figurativo e a formação tradicional, ou seja, o longo registro da figura por meio de estudos a carvão, modelo vivo, aquarelas etc.

Outro exemplo: Jackson Pollock. Um artista exponencial no expressionismo abstrato de pós-guerra. Em realidade, um desenhista de poucos conhecimentos. Talvez as divergências com Edward Hopper começassem neste ponto.













Outro ícone da pop arte nos Estados Unidos era um desenhista canhestro, considerando a grande tradição figurativa americana. Estou me referindo a Andy Warhol, e, na mesma trilha, o “neo-expressionista” Basquiat.  

No caso dos abstratos, há sempre na biografia destes artistas citados a seguinte frase: “após um breve período figurativo, ele descobre a abstração”.






 

Apesar de tudo isso, repito, temos que ter muita cautela a fim de evitarmos um discurso reacionário e conservador. A arte evolui. Os artistas mudam de significados. Seria voltar, com esta discussão, à querela entre os pintores “Pompiers” franceses e os impressionistas. Isto no final do século XIX. Há muito tempo, portanto.      
 





ANATOMIA E EXPRESSÃO.

É a anatomia em movimento que dá expressão e simbolismo ao gesto de um personagem numa ilustração. Surge, então, o segundo grande elemento da expressão narrativa: as mãos. Que logo também se tornaram, até os nossos dias, numa outra obsessão em meu trabalho.

O movimento do pulso, dos dedos, dos ossos e dos e músculos da mão encerra todos os simbolismos que queremos passar num personagem.  Existem, em minha opinião, dois polos, duas polaridades expressivas: os olhos, a abstração, e as mãos, a concreção dos desejos. Em suas polaridades, eles trabalham de forma convergente e divergente. Este tema das mãos foge ao conteúdo deste texto. Fica para outra ocasião.





Explico o título da postagem. Estudos de cabeça têm obviamente dois significados para mim. O primeiro trata, obviamente, do estudo acadêmico e expressivo da construção da cabeça. O segundo significado é que eu não trabalho com modelos. Estes significados, na verdade, se originam de meus próprios estudos de anatomia, e da análise de meus mestres na história da pintura e da escultura. 

Acredito profundamente na espiritualidade contida no material plástico, ou mesmo nos objetos. Nestas sessões de rostos imaginários, eu também os utilizo para estudar técnicas diversas, combinações diferenciadas de materiais plásticos.










Não tenho o objetivo prático de utilizar estas técnicas em livros, por exemplo. Elas existem para estudar as relações entre o chamado material plástico, a que acima me referi, com abstração que as faces devem sempre expressar.

O estudo acadêmico do corpo humano, que vejo como fundamento, não é um fim em si mesmo. Ele é um princípio. O ícone não é um algoz do símbolo. Muito pelo contrário. Ele é a base da abstração. . 









 
Há um ressurgimento da figuração em todo o mundo. O século XX terminou com 4 grandes figurativos: Lucien Freud, Francis Bacon, David Hockney e, principalmente, a portuguesa Paula Rego. Existem outros. Mas estes quatro representam as grandes tendências da figura no século XXI. Não é uma revivescência, pois a figura sempre existiu, jamais desapareceu.





Muitos jovens — cansados da enganação das galerias, e ansiosos por obter uma sustentação profissional em seus trabalhos, além de querer ampliar seus meios expressivos — fazem atualmente, com muita frequência, sessões de modelo vivo, desenhos de observação e croquis. É muito comum hoje em dia  postagens sobre anatomia artística, além do interesse pelos clássicos, e pelas técnicas tradicionais, tais como aquarela, óleo, guache, acrílico, pastel etc.








Isto é extremamente salutar, e ressoa em meus olhos tal qual uma grande e bela melodia visual. A maior tecnologia que um artista possui é a sua própria mão. E a alma mais elevada e sublime é o seu coração. Há muito, eu sei que ser um artista de nossos dias e vislumbrar o porvir é preservar o passado.

A busca da Revelação e do Absoluto não é só o encontro com Deus. Ela é também a busca e o aprimoramento de nossa interioridade. Acredito que, para um artista, uma das vias de encontro com o Absoluto é justamente o estudo do corpo humano, pois ele é o templo de Deus.

Rui de Oliveira – abril de 2016.




Palavras Chaves; Anatomia artística - Arte Figurativa - Portrait - Arte Narrativa

 Key words: Artistic Anatomy - Figurative Art - Portrait - Narrative Art