quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Refletindo sobre as águas das imagens - Letterings, cercaduras, vinhetas e iluminuras

Iluminura- A Cotovia e outras Fábulas de Leonardo da Vinci - Angela Leite de Souza - Ed. Dimensão - 1999

Desde o início de meu trabalho, procurei sempre ver o livro como um objeto de arte. Uma escultura, uma arquitetura narrativa. Um teatro com sua fachada; a capa, a guarda, a cortina, o frontispício, o proscênio e assim por diante — algo que envolvesse a grande tradição e história do livro.Vinheta - A Cotovia e outras Fábulas de Leonardo da Vinci - Angela Leite de Souza - Ed. Dimensão - 1999

Pessoalmente, a paixão por desenhar letras, vinhetas, iluminuras e cercaduras, é uma antiga história. Remonta aos tempos difíceis. Eu estava no antigo ginásio e precisava ganhar algum dinheiro.Lettering - Chapeuzinho Vermelho e outros contos por imagem - Cia das Letrinhas - 2002

Convidado por um amigo da família — comerciário na Praça Mauá — comecei a fazer letreiros para faixas de liquidação em plástico percalina. Depois passei a desenhar placas de obras e letreiros luminosos de lojas. Estudos de tipografia - Chapeuzinho Vermelho e outros contos por imagem - Cia das Letrinhas - 2002.

Nessa época, convivi com letristas anônimos de grande habilidade para “abrir letras”. Eles não diziam desenhar letras. Eu ficava impressionado como eles faziam uma arte da tipografia com o pincel, tendo como base o contorno das letras.
Vinhetas - Chapeuzinho Vermelho e outros contos por imagem - Cia das Letrinhas - 2002.


Eram verdadeiros e hábeis calígrafos. Eu procurava imitá-los. Desenhando também com o pincel direto, mantendo a “mão firme”, como eles falavam e me orientavam.



Lettering e cercadura - Chapeuzinho Vermelho e outros contos por imagem - Cia das Letrinhas - 2002.

O triste de tudo isso é que naquela época eu já havia lido sobre type design. Conhecia as invenções tipográficas de Lubalin, Tschichold, os construtivistas russos, os cartazes poloneses e sua tipografia, e principalmente Ladislav Sutnar. Era difícil conciliar estas leituras com as placas de construção. Lettering - O Príncipe Triste - Rui de Oliveira e Lília Moritz Schwarcz - Editora DCL - 2010

Historiando um pouco o desenho de letras no meu trabalho, eu fui estudar depois no SENAI, na Escola de Artes Gráficas. Tive contato com os processos de impressão e de composição manual.
Lettering - Ponte Ponteio - Leny Werneck - Editora Record - 2011

É por meio da composição manual que um jovem começa a entender o ritmo, o espacejamento entre as letras, as entrelinhas, além do emprego de vinhetas e pequenos arabescos. E me pergunto: qual a escola de design hoje em dia teria uma tipografia manual para aprendizado do aluno?

Frontispício e lettering - Uma Ilha lá Longe - Cora Rónai - Editora Record - Nova edição de 2007.

Na verdade, o que nós desenhamos é o som das letras, das sílabas, como se fossem acordes e notas musicais. Desenhar um lettering é criar uma pauta, usando o som das cordas, sopro e percussão. O lettering é uma música que cada um canta a seu modo.

Projeto gráfico para coleção - Editora Record.

Continuando nesta linha de trabalho e aprendizado daquela época, mais tarde passei a montar foto-letras, que era um gênero de composição manual, só que com letras impressas em papel, não mais os tipos de caixa.


Projeto gráfico para coleção - Editora Record.

Esta gradual educação do olhar nos faz compreender que o espacejamento constrói a harmonia e a dinâmica do lettering. Entretanto, tudo isso foi abandonado e nada foi posto no lugar. E como se sabe: é impossível queimar etapas, como se fosse jogos de dados.


Projeto gráfico para coleção - Editora Record.

A arte de desenhar ou esboçar letras não é virtual — ela é tátil, física, corpórea. Acho, portanto, impossível eliminar o esboço no papel.


Projeto gráfico para coleção - Editora Record.

Felizmente, o uso vulgar e indiscriminado da infografia está chegando à exaustão. Hoje, por exemplo, são muitos os jovens dedicados ao estudo da caligrafia — uma arte essencial na criação tipográfica e um elo seguro para o despertar da individualidade de cada um.


Projeto gráfico para coleção - Editora Record.

Fico feliz com esta revivescência positiva da arte da letra — uma redescoberta da infinitude da mão. Este resgate do artesanal não é um simples revival, ou modismo. É uma necessidade humana de auto-expressão. As jornadas de desenho livre que se espalham pelo país comprovam esta necessidade.


Cercadura - Um texto puxa outro - Márcia Leite e Cristina Bassi - Editora FTD - 2002.


Desenhar é uma atitude de autoconhecimento. É escrever cartas a nós mesmos.


Cercadura - O Touro da Língua de Ouro - Ana Maria Machado - Editora Ática - 1994.

Os jovens designers e ilustradores estão sentindo e percebem que o banimento do artesanal prejudicou a sua livre criatividade. Não existe arte sem ofício.


Cercadura - Um texto puxa outro - Márcia Leite e Cristina Bassi - Editora FTD - 2002.

E, para finalizar, aproveitando este fórum — esta ágora que é um blog (assim o vejo) —, eu diria que ser de vanguarda em nossos tempos atuais — cinzentos socialmente e ideologicamente indefinidos — é preservar o passado.

Iluminura- A Cotovia e outras Fábulas de Leonardo da Vinci - Angela Leite de Souza - Ed. Dimensão - 1999.

Não como relíquia ou camafeu para se colocar numa caixa de jóias. Preservar o passado é revê-lo criticamente sempre, mas é ter desvelo, conhecimento e apreço por ele também. Fim


Iluminura- A Cotovia e outras Fábulas de Leonardo da Vinci - Angela Leite de Souza - Ed. Dimensão - 1999.


Cercadura e ilustração - Melusina, a dama dos mil prodígios - Ana Maria Machado - Editora Ática - 2000.


Vinheta - Os Dois Gêmeos - Ana Maria Machado - Editora Ática - 1996


Vinhetas - O Touro da Língua de Ouro - Ana Maria Machado - Editora Ática - 1994.


Projeto gráfico para coleção - Editora Record.

Vinheta - Os Dois Gêmeos - Ana Maria Machado - Editora Ática - 1996.


Cercadura - Um Herói Fanfarrão e sua Mãe bem Valente - Ana Maria Machado - Ed. Ática - 1994



Frontispício e Lettering - O Herói Imóvel - Rosa Amanda Strausz - Editora Rovelle - 2011.
Selo - Comemorativo aos 20 anos de literatura da escritora.



Frontispício e lettering - A Formosa Princesa Magalona e o amor vencedor do cavaleiro Pierre de Provença.
Editora Adler-Books - 2009
.

Lettering - África Eterna - Rui de Oliveira - Editora FTD - 2010.
Lettering - As Aventura de João Sem-Fim - Editora Record - 2011.
Lettering - Capa de livro da Editora Paz e Terra.



Lettering - Exposição restrospctiva de meus trabalhos - Academia Brasileira de Letras - Galeria Manuel Bandeira - 2005.

Frontispício e lettering - Pena de Ganso - Nilma Gonçalves Lacerda - Editora DCL - 2005.

Lettering - Cartaz para a peça de William Shakespeare - Centro Experimental Teatro Escola.


Lettering - Língua de Trapos - Adriana Lisboa - Editora Rocco - 2005.



Vinheta - Língua de Trapos - Adriana Lisboa - Editora Rocco - 2005.


Vinheta - Língua de Trapos - Adriana Lisboa - Editora Rocco - 2005.

Capitular - O Tamanho da Felicidade: três histórias em dias de chuva - Angélica Bevilacqua - Editora Mercuryo - 2000.


Capitulares - Cartas Lunares - Rui de Oliveira - Editora Record - 2005



Vinhetas - Cartas Lunares - Rui de Oliveira - Editora Record - 2005.

Um dos monogramas que utilizo em meus trabalhos.




Cercadura e ilustração - Melusina: dama dos mil prodígios - Ana Maria Machado - Editora Ática - 2000.

Cercadura centro de página - Num Pacato Vilarejo - Hebe Coimbra - Editora Nova Fronteira - 1993.


Cercadura canto de página - L.E.R. - Márcia Leite e Cristina Bassi - Editora FTD - 2003
Logotipo - Coleção de livros


Lettering - Longa metragem dirigido por Denoy de Oliveira - 1998.


Frontispício - O Coelho Miraflores - Walmir Ayala - Editora José Olympio - 1993.


Frontispício e Lettering - Uma História de Amor sem Palavras - Editora Nova Fronteira - 2009.

Frontispício, lettering e cercadura - A Tempestade - William Shakespeare - Cia das Letrinhas - 2000

Guarda - A Tempestade - William Shakespeare - Cia das Letrinhas - 2000.

Cártula - A Tempestade - William Shakespeare - Cia das Letrinhas - 2000

Vinheta- A Tempestade - William Shakespeare - Cia das Letrinhas - 2000.


Cártula - A Tempestade - William Shakespeare - Cia das Letrinhas - 2000.

Capitular - A Tempestade - William Shakespeare - Cia das Letrinhas - 2000.

A foto é de Jô Oliveira. Que foi meu colega de escola, grande artista, e
companheiro de imagens e conversas ilustradas até os dias de hoje.

Ao fim desta pequena mostra de meu trabalho em design editorial, faço uma modesta homenagem aos meus mestres no ensino da arte da tipografia. Tanto no Brasil, quanto no exterior. A foto acima é na atual Moholy-Nagy University of Art and Design em Budapeste. Sou eu e a minha gentil professora de type-design. A época é o segundo semestre de 1972. Fiquei estudando em Budapeste de 1969 a 1975.

Fim
Refletindo sobre as águas das imagens - Pelos Jardins Boboli (parte 4)


Max Emiliano - Livro de Imagem - Editora Nova Fronteira - 2009

Max Emiliano - Livro de Imagem - Editora Nova Fronteira - 2009

Max Emiliano - Livro de Imagem - Editora Nova Fronteira - 2009

A ilustração como forma de arte

O que se espera de um livro para crianças é que as imagens contenham

arte, ou seja, que tenham sido feitas por um verdadeiro artista.

Não posso esquecer a importância imanente das imagens de um

mestre pouco lembrado de nossa ilustração — Seth, pseudônimo

de Álvaro Marins. Suas ilustrações povoaram minha infância passada

no subúrbio do Rio de Janeiro, tornando-se uma eterna, grata e

preciosa memória.

Max Emiliano - Livro de Imagem - Editora Nova Fronteira - 2009

As belas aquarelas de Franz Richter para O patinho feio, de Hans

Christian Andersen, que tanto me encantavam quando eu era criança,

constituíam uma autêntica expressão de arte. Eram belas como

ilustração porque não pretendiam se incorporar ou se mimetizar no

universo das aquarelas de John Singer Sargent, por exemplo.

A ilustração é arte quando não pretende — como Prometeu — roubar

o fogo sagrado da chamada grande arte. Aquelas imagens me despertavam

a imaginação pelo fato de serem profundamente evocativas.


Max Emiliano - Livro de Imagem - Editora Nova Fronteira - 2009

Não eram realistas, mas eram críveis. Para que haja o enlevo, tem que

existir o reconhecimento da imagem, o que não significa saber nomeá-

las, ou seja, dar-lhes um nome. Logo depois do reconhecimento

vem a rememoração. Esse é um binômio fundamental para se contar

histórias por imagens.

Max Emiliano - Livro de Imagem - Editora Nova Fronteira - 2009

Nem sempre a compreensão da imagem narrativa é integral para o pequeno

leitor. O poder simbólico de uma ilustração em um livro para

crianças e sua capacidade de se perpetuar na memória estão muito

além de uma simples nomeação, assim como, na poesia e na prosa,

as palavras estão muito além de seus significados.


Max Emiliano - Livro de Imagem - Editora Nova Fronteira - 2009

Pensando na sonoridade que as palavras provocam, o mesmo ocorre com a ilustração,

que, apesar de seu aspecto figurativo concreto, também possui um

som, um gênero de ressonância visual.

Poderíamos dizer que, em termos de imagens, não escutamos o som,

mas sim auscultamos sua sonoridade. Essa ambigüidade, por um lado

figurativa — ver a imagem —, por outro, abstrata — auscultar o som —, traz um entendimento

mais amplo da arte de ilustrar.


Max Emiliano - Livro de Imagem - Editora Nova Fronteira - 2009

Um belo e clássico exemplo entre a relação da imagem com os sons específicos

que sugere é uma ilustração de um dos mestres desta arte.

Refiro-me a Charles Robinson ao ilustrar A Polegarzinha, em 1911.

Os peixes, com suas vozes próprias, parecem dialogar com a personagem

indefesa e repleta de dúvidas que é a Polegarzinha.

Na arte dos grandes mestres, como é o caso de Robinson, estamos diante

da magia daquilo que não é, mas passa a ser. Uma espécie de animismo

visual, que é a essência da arte de ilustrar.


Max Emiliano - Livro de Imagem - Editora Nova Fronteira - 2009

Aquilo que o artista vê — em outras palavras, o seu mundo tangível — será sempre o básico e o fundamental para sua

criação. Porém, a partir desse momento,

ele não pode ignorar a natural aparição daquilo que ele não está vendo.

Podemos, então, concluir que o trajeto criativo se origina no ver,

para, logo a seguir, chegar ao não-visto.

A gênese da criação no ver se justifica pelo fato de que a realidade é sempre

muito mais imaginosa que a imaginação.

Os peixes que conversam com a Polegarzinha são fantásticos não porque foram desenhados à maneira prodigiosa;

eles são mágicos pela simples propriedade de poder falar.


Max Emiliano - Livro de Imagem - Editora Nova Fronteira - 2009

Estamos aqui também diante de uma outra questão inerente à arte de

ilustrar, principalmente na obra dos grandes mestres, do presente e

do passado. A imagem de que necessitamos não está apenas circunscrita

ao universo dos fatos. Existe a necessidade humana do símbolo

e da imagem atemporal. Precisamos da figuração de algo em que acreditamos,

mesmo sabendo que ele jamais tenha existido.

Esse é o proscênio onde geralmente atuam os atores — personagens dos livros infantis e juvenis.

Precisamos tocar algo e sentir a aspereza ou maciez,

frieza ou tepidez, em alguma coisa que não tem corpo, ou mesmo ver

o invisível, cuja representação parece que foi feita somente para nós.

Enfim, os fatos sem os símbolos não preenchem os espaços do olhar,

até porque nem toda imagem precisa de uma explicação. Portanto, está

neste interregno — entre o ver e o posteriormente mirar — a eternidade

dessa imagem criada por Charles Robinson.

Outra reflexão que essa eterna imagem nos sugere é que a ilustração deve

ser profundamente verbal; porém, sem jamais recorrer à verbalização

para explicar seus objetivos.

A ilustração fala, mas não tem voz.

(Continua na próxima postagem - parte 5)


Este texto é um fragmento do livro

Pelos Jardins Boboli - Reflexões sobre a Arte de Ilustrar Livros para Crianças e Jovens - Rui de Oliveira

Editora Nova Fronteira - 2008

Prêmio Cecília Meireles - FNLIJ - Melhor Livro Teórico - 2009